Legitimado pelo poder constituinte de 1975, o nosso sistema político nasce para dar origem a uma democracia de partidos. De partidos e não de cidadãos. Existiam sobejas razões para tal facto e não se estranhará pois que o texto original da Constituição, mantido no essencial nos tempos de hoje, tenha dado aos partidos uma posição de destaque, desconhecida na esmagadora maioria das constituições dos países ocidentais. Em Portugal, os partidos não são apenas intermediários entre o voto dos eleitores e a acção dos deputados, eles são o único centro de produção e decisão políticas, o que os transforma nos exclusivos detentores do poder.
Não é por caso que só na revisão constitucional de 1997 se tenha possibilitado a candidatura de grupos de cidadãos às autarquias e não é também por acaso que esse direito ainda agora seja negado, no que às eleições legislativas diz respeito. A matriz fundadora do nosso regime baseia-se em partidos, só em partidos e nada mais do que partidos.
Mas se era compreensível o rumo tomado no período pós-revolucionário, importará saber se ele é actualmente aceitável. A minha resposta é não! A democracia formal contradiz a democracia real e apesar dos inúmeros apelos à participação, os factos demonstram como ela é quase impossível ou até indesejada. A cidadania já não se manifesta, pela simples razão de que o seu exercício é dificultado por uma armadura constitucional, legal e regulamentar, concebida para permitir a livre circulação dos partidos, e dos seus dirigentes, e não para facilitar a livre e espontânea participação dos movimentos de pessoas.
As pessoas são importantes apenas no momento do voto, mesmo que este já não sirva para escolher quem as representa e apenas funcione para legitimar as escolhas feitas.
Temos hoje, mais do que uma democracia inacabada, uma democracia partidária falida, ausente e distante, de quem supostamente deveria estar próxima. Todavia há mudanças impossíveis de parar e talvez mais cedo do que alguns pensam, o sistema acabará por implodir. O actual quadro político já não dá resposta às novas situações e a concorrência parlamentar entre representantes partidários e eleitos pelos movimentos de cidadãos será, a prazo, inevitável. Como inevitável será termos deputados que respondem perante o povo que os elege e não perante o presidente partidário que o designa.
Fonte : Trecho do texto, elaborado por Ricardo Jorge Pinto, em : O fim da democracia representativa?
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