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O Cristo de S.João da Cruz vs Moonwalker

O Cristo de S.João da Cruz vs Moonwalker

Este trabalho convida a interpretar as possibilidades existentes em cada objecto, olhando para um par de objectos, não como objectos para contemplação, mas sim como meios e “veículos” para algo mais. 



A primeira ideia que surgiu foi abordar a temática crucificação. No entanto para realizar uma abordagem original pesquisei imagens que possuíssem a forma idêntica ao do primeiro objecto. Até que me recordei da posição que Michael Jackson se colocava quando terminava os seus espectáculos.


Introdução:

Para este trabalho foram seleccionados dois objectos de arte e/ou comunicação passíveis de uma análise comparativa. Estes objectos possuem uma vocação cultural, social e artística, sendo uma pintura e um cartaz de um filme.
Ao cruzar estas imagens de origens diferentes, foi na tentativa de evitar realizar uma abordagem linear e evidente, procurando compreender, o que as aproxima e o que os diferencia.

O primeiro objecto escolhido foi o Cristo de São João da Cruz (1951) de Salvador Dalí. Esta é uma das obras mais populares de Dalí, e o pintor recebeu a inspiração para ela a partir de um desenho supostamente feito por São João da Cruz no qual a crucificação é vista de cima, se bem que de um ângulo oblíquo e não frontal. Num estudo para este quadro, Dalí escreveu: “Quando…vi Cristo desenhado por São João da Cruz, decidi-me geometricamente por um triângulo e um círculo, o que do ponto de vista estético resumia todas as minhas experiências anteriores… E pus o meu Cristo nesse triângulo”. A triangulação é muito evidente e relaciona-se claramente com a Santíssima Trindade. Além disso, Dalí também parece ter tido conhecimento
de que os triângulos se relacionam com uma tradição platónica no pensamento europeu, segundo a qual se considerava que as formas básicas, como triângulos e círculos, gozavam de poderes metafísicos, sendo constantes universais.

Este valor, que segundo ele era como o núcleo atómico, que mais tarde se tornou no sentido metafísico a "unidade do Universo”. Naturalmente, uma tal forma é altamente apropriada à representação de uma figura religiosa que possuía ou possui poderes universais. A pintura a óleo de Salvador Dalí, Cristo de São João
da Cruz, possui uma grande imagem da crucificação de Cristo pendurado sobre a baía de Port Lligat. A paisagem tranquila inspirada pelo Port Lligat, numa imagem de Velasquez para a rendição de Breda e na pintura dos pescadores de Le Nain.

A pintura mostra Jesus crucificado, numa perspectiva e vista de cima, cuja cabeça, esta a olhar para baixo, que corresponde ao foco do trabalho. O fundo da imagem é uma paisagem tranquila, formado pela baía de Port Lligat. Na parte inferior direita, dois pescadores estão a trabalhar no pequeno porto. As nuvens transmitem um tom místico e misterioso, estando iluminadas pelo brilho emanado da cruz de Cristo. A obra simboliza o Cristo Redentor e o forte contraste claro/escuro serve para destacar a figura de Jesus e causar um efeito dramático. O Cristo é representado com o cabelo curto, muito diferente das representações clássicas de Jesus e está numa posição relaxada. Na parte superior da cruz, onde dissem que estavam colocadas as iniciais INRI é apenas representado por uma pequena folha de papel e dobrado. O Cristo de Dalí não está ferido nem pregado na cruz, não possui úlceras ou feridas. A pintura de Cristo de Dalí revela mais a sua própria perspectiva sobre o ícone de Cristo, no entanto, a perspectiva é também características das atitudes básicas da época e da sociedade em que a pintura foi criada. Este óleo sobre tela, mede 205 x 116 cm, onde a imagem de Cristo paira sobre o mundo. Esta é uma das pinturas religiosas de Dalí de maior êxito, e grande parte do seu encanto deriva da sua simplicidade visual e da intensa atenção ao pormenor, à representação anatómica de Cristo e ao facto da divisão distinta entre a luz e a sombra, ter sido particularmente feliz. Mas aqui não estamos na presença de qualquer tipo de surrealismo; em 1951, Dalí substituíra-o por misticismo religioso, o que é bastante diferente e que, para bem ou para mal, tem de ser aceite nos seus próprios termos.

Normalmente, o último misticismo de Dalí não soa verdadeiro e isso não é de admirar, pois o pintor era tudo menos místico. A imagem de Cristo é muito icónica pois é também um produto do tempo, dos valores e crenças. Alguns alegam mesmo que esta pintura é possivelmente a obra mais humana e humilde, que foi pintada sobre a crucificação de Cristo. Mas, em obras como esta, ele projectou com êxito uma módica quantidade de crença religiosa genuína, evitando a sua habitual tendência para fazer com que este tipo de oferta pareça algo directamente saído de um filme de Hollywood. A Glasgow Art Gallery pagou, em 1952, 8200 libras por esta pintura, um preço que causou escândalo na altura, levando uma pessoa a golpear a obra num protesto furioso.

Em 1958, porém, o museu obteve lucros sobre o quadro através da venda de entradas, de pagamento de direitos de reproduções da obra, justificando assim o investimento.
O segundo objecto escolhido foi o cartaz do filme Moonwalker (1988). Moonwalker é um filme musical do cantor Michael Jackson, durante a Bad World Tour, o qual mostra vários dos videoclipes do cantor no desenrolar do filme, usando montagens para adequá-los às cenas exibidas. Neste filme a personagem de Michael Jackson fica a saber dos planos de um traficante de drogas chamado Mr. Big. Michael usa os seus poderes mágicos para salvar três crianças do maligno Mr. Big e do seu “exército”, mas com muito estilo e música. O filme ganhou uma adaptação para jogos e marcou o auge da carreira de Michael Jackson.

Análise comparativa:

Ao olhar para as duas imagens verifica-se similaridades relativamente à forma. Ambas possuem:

uma triangulação com base circular, as suas personagens principais tem a face oculta, aparece
como paisagem de fundo o céu, existe uma notória divisão entre a luz e a sombra.

No entanto a nível da forma existem também elementos que as distinguem. No quadro do Cristo de São João da Cruz existem mais personagens, os pescadores, mas no cartaz do Moonwalker existe apenas uma personagem, Michael Jackson.




Outros factos distintivos são:

  • no primeiro objecto a representação do céu é de dia enquanto no segundo é de noite; 
  • a vista no primeiro é de cima para baixo e no segundo é de baixo para cima; 
  • no primeiro a personagem principal está “acima” da terra tendo como fundo o céu com nuvens, o mar, a praia e as montanhas, enquanto no segundo temos a personagem principal em “cima” da terra com o céu e as estrelas de fundo;
  • no primeiro encontra-se acima da cabeça da personagem principal uma placa, mas omite o que tradicionalmente é inscrito nela, INRI - "Jesus Nazareno Rei dos Judeus", em contrapartida no segundo objecto encontra-se escrito em letras grandes “Michael Jackson – Moonwalker” além de ter em letras menores “A movie... like no other”.
Outros aspectos a ter em atenção, é que mesmo a nível formal estas imagens possuírem aspectos idênticos, elas têm significados diferentes. A abertura dos braços de Cristo simboliza a prisão, castigo e sofrimento, a abertura dos braços de Michael Jackson simboliza abertura, acolhimento e agradecimento. Além de ambas representarem “espectáculo” possuem significados diferentes, pois a primeira é referente a um espectáculo de tortura, a segunda é relacionada com um espectáculo de divertimento.

Assim é criada uma certa antítese entre estas duas imagens, pois a primeira inspira profundidade, sacrifício, dor e sofrimento, e a segunda transmite superficialidade, diversão e entretimento.

Estas imagens, juntas ou separadamente, representam dois ícones, dois reis, duas super estrelas, sendo referências e símbolos na nossa cultura. A primeira imagem é o símbolo da civilização cristã enquanto a segunda é símbolo da cultura pop.
Além do mais estas imagens são marcos de ascensão, de Jesus aos céus e de Michael Jackson à fama e glória mundial.
Ao colocar estas imagens juntas elas transmitem-nos algo mais, para além do que elas já significavam, conseguem comunicar/veicular outras ideias por denotação e conotação.
Estas imagens representam personagens construídas, em que os “homens” que as representaram encontram-se mortos (ao alegadamente mortos, visto que existem algumas dúvidas da existência real de Jesus), mas no entanto as suas personagens continuam vivas e rentáveis. Ambas imagens representam homens que possuem dons, o primeiro tinha o dom da cura, do “milagre” e da oratória, enquanto o segundo possuía o dom da música e da dança.
Esses mesmos dons foram os que fizeram com que eles ficassem famosos e se tornassem líderes, fundadores de uma nova cultura. Inspirando milhares de seguidores e fãs, sendo os seus nomes muito citados e referenciados (se fizermos um google com “Jesus” obtêm-se 182.000.000
resultados e com “Michael Jackson” obtêm-se 92.700.000 resultados) até mesmo por figuras públicas, como por exemplo Barack Obama.

Devido à importância que estas personagens têm para a nossa cultura, elas são largamente representadas em diversas formas artísticas, caricaturados (ex: Os Monty Python com o “Life of Brian”, que consiste numa sátira à vida de Jesus Cristo. O "Weird Al" Yankovic no princípio da sua carreira fez uma paródia ao "Jesus Christ Superstar" – "Dr. D Superstar" e posteriormente realizou diversas sátiras aos videoclips de Michael Jackson, tais como o "Eat It" - "Beat It" e o "Fat" - "Bad") e imitados (ex: Madonna encenou uma “crucificação” durante os concertos da “Confessions Tour”. Esta cantora também homenageou Michael Jackson nos seus concertos “Stick and Sweet Tour”). Pode-se considerar até irónico o facto de Jesus Cristo e Michael Jackson, serem considerados imitadores, pois Jesus é considerado por alguns um “alegado” Messias (ex: antes de Jesus existiram outros profetas que realizaram feitos semelhantes a Jesus) e Michael Jackson sempre gostou de apresentar-se como se ele mesmo fosse um Messias (ex: Brit awards, 1996) associando a sua imagem muitas das vezes à de Jesus Cristo.

No entanto ambos foram crucificados, um literalmente pelos romanos, outro pela opinião pública, por serem figuras polémicas, irreverentes e famosas, tendo sido explorados e traídos por quem mais confiavam. A família para estas personagens foi fulcral, ambos passaram por infâncias difíceis e com dificuldades, tendo sentido desde de cedo o peso da responsabilidade, da “missão” atribuída a eles pelos seus pais, um de salvar os homens dos pecados do mundo o outro de “sustentar” a sua família. As relações com as mulheres das suas vidas são algo dúbias e polémicas, visto que Jesus Cristo proveio de um nascimento casto, assim como alegadamente os filhos de Michael Jackson, existindo mesmo até dúvidas deste último relativamente à paternidade dos seus filhos. Outro facto relativamente às relações que estes possuíam ou não com as mulheres, se Jesus tinha um relacionamento com Maria Madalena e se Michael Jackson teve verdadeiramente ou não um relacionamento com as suas esposas.

Ambas personagens mostraram-se sempre preocupadas com as pessoas mais fracas e necessitadas, revelando-se como verdadeiros defensores das mesmas, em especial das crianças. Ambos eram sonhadores, Jesus sonhava com um mundo melhor e Michael Jackson sonhava com o seu mundo à parte (exemplo disso é que ele criou o seu rancho Neverland, digno de um “Peter Pan”). Outro facto a salientar é a questão das raças, pois existem dúvidas de que raça era Jesus Cristo e Michael Jackson alegava ter uma doença de pele que fez mudar a sua tez, no entanto vários especialistas dizem que este fez diversas plásticas para ficar com o tom de pele claro e com o rosto que possuía, a fim de não aparentar os seus traços afro-americanos. Estas
personagens representam a igreja mais rica do mundo e o morto mais rico (rentável) actualmente, além de serem os mais “vendidos”, pois a bíblia é o livro mais vendido de sempre e o Thriller são o álbum mais vendido de todos os tempos.

Conclusões:

Estes dois objectos representam duas figuras incontornáveis sendo marcos da nossa civilização, antes de Cristo e depois de Cristo, antes de Michael Jackson e depois de Michael Jackson. Eles representaram rupturas da nossa sociedade, da nossa cultura e da nossa história.

Revolucionaram a nossa forma de olhar e interpretar o mundo e a arte do espectáculo e entretenimento. São duas personagens marcantes, icónicas, originais (ou pseudo-originais), exploradas, intencionais, intemporais e diferentes. Estas imagens juntas possuem muito mais significado do que separadas transpondo-nos para outras interpretações e conotações, transformando-se num veículo criativo. Acima de tudo, ninguém consegue negar a importância destas personagens aqui representadas assim como ninguém consegue ficar indiferente às mesmas.

Fonte : Um agradecimento especial à Amiga Susana por deixar publicar, noEnigma, esta magnifica análise e de uma certa forma, uma reflexão contextual, sobre a Arte e a Comunicação.

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