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O Mundo em estado de Pânico

O Mundo em estado de Pânico

No período 2003-2010, os Estados Unidos e os países da U.E. tiveram um défice de 5.953 mil milhões de dólares e de 1.153 mil milhões de dólares.


Um aspecto importante da realidade actual que tem sido ignorado ou subestimado pelo pensamento económico de quadrantes políticos opostos, embora por razões diferentes, é o papel que têm os desequilíbrios do comércio mundial e também na U.E. no eclodir das crises financeiras que abalam com frequência crescente países, regiões e agora o mundo, crises essas que depois se repercutem, com efeitos devastadores, a nível económico e social, contribuindo (aqueles desequilíbrios) para a desindustrialização crescente de muitos países o que agrava mais os défices das suas contas externas. 

Segundo a OCDE, no período 2003-2010, os Estados Unidos e os países da U.E. acumularam, nas suas balanças comerciais, respectivamente um défice de 5.953 mil milhões de dólares e de 1.153 mil milhões de dólares, enquanto, no mesmo período, a China acumulou um saldo positivo de 1.277 mil milhões de dólares, a Federação Russa também um saldo positivo de 1.129 mil milhões de dólares, e o Brasil igualmente um saldo positivo de 260 mil milhões de dólares na sua balança comercial. 

Os desequilíbrios também se verificam no seio da própria União Europeia. Segundo o Eurostat, no período 2002-2011 (o período do euro), a Alemanha acumulou na sua balança comercial um saldo positivo de +1.558.452 milhões €; a Holanda de +364.534 milhões €; enquanto a Grécia acumulou um saldo negativo de -317.329 milhões €; a Espanha de -662.104 milhões €; a França de -412.492 milhões €; a Itália de -103.719 milhões €, e Portugal um défice de -187.317 milhões €. E as causas desta situação ainda se tornam mais claras, se se tiver presente que, neste período, cerca de 63,1% das exportações da Alemanha e 78,9% das exportações da Holanda foram para países da União Europeia. 
No período 2007-2011, Portugal teve sempre com a China, Alemanha e Holanda, balanças comerciais altamente deficitárias, tendo a soma dos saldos negativos acumulados atingido, só em relação a estes 3 países, -27 125 milhões €. 

É impossível compreender, a nosso ver, a crise actual do capitalismo ignorando estes desequilíbrios. Face a estes dados, torna-se claro que os saldos positivos verificados, de uma forma persistente, nas balanças comerciais de certos países são conseguidos à custa de contínuos défices registados nas balanças de outros, o que leva à acumulação de reservas enormes nuns países e de dívidas elevadas em outros.
Como a crise actual mostrou, esses enormes meios financeiros acumulados em certos países acabam por alimentar fluxos de capitais geradores de especulação e de crises, como a que actualmente o mundo enfrenta. 
O exemplo paradigmático é o caso da China que, com as reservas assim acumuladas, por um lado, adquiriu, até Setembro de 2012, cerca de 1.155,5 mil milhões dólares da divida pública americana, alimentando desta forma também a especulação nos E.U.A. que contribuiu para a actual crise global e, por outro lado, tem-se aproveitado da crise dos países endividados para adquirir empresas estratégicas a preço de saldo, como aconteceu em Portugal com a EDP e a REN, onde duas empresas estatais chinesas se tornaram, de um momento para o outro, os seus principais accionistas. 

As consequências dos desequilíbrios que se verificam no comércio mundial e também dentro da U.E., possibilitados pela liberalização e desregulamentação do comércio internacional, não se limitam aos anteriores. Eles também contribuíram para a desindustrialização crescente de muitos países, incluindo Portugal. É certo que não foram a única razão, mas certamente tiveram e têm um papel importante que não deve ser subestimado, mas que é ignorado por muitos analistas e políticos. Nesta estratégia encontram-se associados as principais economias emergentes (China, Brasil, Índia, Coreia do Sul, etc.) e grandes empresas transnacionais, embora por razões diferentes. 
Os países emergentes, com o objectivo de alcançar elevadas taxas de crescimento e assim ascenderem a patamares de desenvolvimento mais elevados, adoptaram modelos de crescimento económico baseados fundamentalmente nas exportações e na acumulação de elevadas reservas através de um reduzido consumo interno (publico e privado). Para isso, utilizam dois instrumentos para tornarem os seus produtos competitivos no mercado global: baixos salários e moeda subvalorizada através do controlo cambial estatal. 

Nesta estratégia têm tido um poderoso aliado – os grandes grupos transnacionais – já que tal estratégia tem permitido também a estes grupos obterem elevados lucros. E isto porque esses grupos económicos, aproveitando-se das facilidades concedidas pelos governos desses países, criam filiais ou associam-se com empresas nacionais e, tirando partido dos baixos custos do trabalho e da moeda subvalorizada para tornar ainda mais competitivos os produtos fabricados nesses países, apoderarem-se não apenas de uma parte do mercado desses países, mas também concorrerem, em conjunto com as empresas dos países emergentes, nos mercados dos países desenvolvidos, eliminando competidores e provocando a desindustrialização, agravada pela deslocalização de empresas com o objectivo de manterem as taxas de lucro ou de sobreviverem, e aproveitando, para isso, a desregulamentação e a liberalização do comercio internacional policiada pela OMC. 
Os grupos económicos transnacionais funcionam como autênticos cavalos de troia instalados nos países desenvolvidos, constituindo poderosos aliados dos países emergentes, como sucede nos próprios EUA e França, onde ex-membros dos governos americano e francês integram poderosos “lobys” que defendem o comercio livre com a China confirmando, mais uma vez, que o capital não tem pátria. O que aconteceu em relação aos têxteis portugueses, cujo acordo assinado pela Comissão Europeia no âmbito da OMC, conduziu à destruição de uma parte significativa da industria têxtil e de vestuário em Portugal e em mais países da U.E. é um exemplo, entre muitos, das consequências de tal estratégia em que estão associados os países “emergentes”, as empresas, muitas delas multinacionais, e poderosos interesses internos também altamente beneficiados com tal politica.

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